terça-feira, 17 de junho de 2008

Campanha pede fim de esmola a morador de rua no Leblon

ILHA DA FANTASIA


Associação de bairro nobre do Rio quer evitar doação de dinheiro e comida para mendigos que vivem no local

A Associação de Moradores do Leblon (Ama-Leblon), bairro nobre da zona sul do Rio, está organizando uma campanha para pedir às pessoas que circulam na região que não dêem dinheiro, alimentos ou objetos para mendigos e menores que vivem nas ruas.

Na semana que vem, serão espalhados 50 mil cartazes pelo bairro com a frase: "Não dê esmola". Segundo João Fontes, presidente da Ama-Leblon, a campanha tem o intuito de fazer com que as pessoas que vivem na rua (cerca de 400) saiam do Leblon.

"Em vez de dar esmola, as pessoas deveriam encaminhar os carentes para autoridades públicas darem um rumo na vida deles."

Com 46.670 habitantes, o Leblon tem o segundo maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) do Rio (0,967). Fontes disse que a idéia é estender a campanha a bairros vizinhos, à zona norte e ao centro.

O lançamento oficial da campanha ocorre amanhã com uma passeata na praia do Leblon. Para o presidente da Ama-Leblon, o aumento da população de rua tem atrapalhado o turismo local.
A campanha Não Dê Esmola provocou reações diferentes.

O prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL), afirmou que já houve outras iniciativas como essa, que não deram certo. Maia disse à Folha que espera que a campanha venha "acoplada a outra atitude ativa".

O secretário municipal de Assistência Social, Marcelo Garcia, apóia a iniciativa. "Não existe população de rua. Ela tem casa e vai para rua conseguir renda. Se pararem de dar esmola, a pessoa que está na rua não vai ficar mais."

Para o coordenador da ONG Ação da Cidadania, Maurício Andrade, "negar a solidariedade como forma de diminuir a população de rua não adianta." Ele disse, porém, que a campanha representa uma reação da sociedade civil contra a incompetência das autoridades públicas.

Operações
Nos últimos dois anos, a polícia do Rio tem feito operações esporádicas para retirar mendigos e menores das ruas da zona sul.

Em novembro de 2004, após sucessivos episódios de violência no Leblon -assaltos a motoristas e arrastões contra turistas na praia-, a Polícia Civil realizou a operação Turismo Seguro, que tirou 318 crianças e 25 adultos da zona sul e do centro. Eles foram levados para abrigos da prefeitura, mas, segundo João Fontes, a maioria voltou para a rua.

Pouco depois, Siro Darlan -ex-juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude-, determinou, em liminar, a interrupção da abordagem a menores sem mandado de busca e apreensão ou flagrante.

(Centro de Mídia Independente - www.midiaindependente.org)

ENDOSCOPIA PARA QUEM TEM FOME?

Olhar dentro. Essa é a definição primeira para a palavra endoscopia. Na prática, enfia-se um tubo com uma mini-câmera na ponta e ele vasculha a parte alta do nosso aparelho digestivo – da boca ao duodeno – e, assim, recebe o nome de endoscopia digestiva alta.

Quando as entranhas vasculhadas são os intestinos a endoscopia ganha o temível nome de colonoscopia… Um exame humilhante ou no mínimo constrangedor, mas necessário quando o fantasma do câncer nos ronda. Tenho pra mim que a colonoscopia caiu no desagrado popular porque literalmente toca em uma das partes consideradas menos nobre do corpo humano.

Aquela parte que dificilmente gostamos de lembrar que temos a não ser em momentos de tesão para os adeptos da prática anal ou após o alívio do fim de dias de constipação quando a ela somos secretamente gratos pelo esforço feito. Mas, deixemos o cu de lado e voltemos à endoscopia.

Um dia desses pela manhã, acompanhei meu irmão numa sessão de endoscopia… Em jejum. É assim que deve permanecer o infeliz que fará esse invasivo exame: no mínimo 8 horas sem comer. E assim fomos nós, meu irmão e eu. Ele sem comer desde o dia anterior e eu também. Fiquei sem comer não por solidaridad hermana, mas por ter amanhecido um tanto enjoada e sem ânimo para o repasto matinal.


O que me fez lembrar que preciso melhorar meus hábitos alimentares. Sou viciada em fast-food e depois da proliferação dos serviços de entrega em domicílio meu vício só se fortalece. E como, à noite, a ansiedade – minha fiel companheira – torna-se um monstro tão perverso como o Freddy Krueger, é depois do pôr-do-sol que meu apetite se torna voraz. Então, à medida que meu estômago, na calada da noite, ganha ares de um buraco negro, meu bolso vai se esvaziando como uma bola de encher cuja boca fora mal amarrada.


Antes da endoscopia, uma anestesia tópica: um spray de anestésico local. Língua e faringe com lidocaína ficam dormentes. Estranha a sensação de uma boca adormecida. Ausência de paixão também causa torpor na boca… Melhor um ser lidocaínado do que um desapaixonado. O primeiro pelo menos tem a certeza de que é breve o seu entorpecimento. Já para o segundo, tudo é imprecisamente apático. Afinal, não há precisão nas paixões.


Apesar dos típicos sinais – mão suada, tremor, taquicardia, boca seca, gagueira – nunca sabemos ao certo quando a paixão vai chegar. Quando percebemos já estamos dominados e esses sintomas – que bem poderiam ser de uma boa crise de pânico – ao senti-los é porque o coração já se rendeu apaixonado. Aí não tem remédio, o jeito é viver e esperar pelo gosto rançoso na boca e na alma que aparece toda vez que a paixão vai embora e somos os últimos a saber e a aceitar o fim.


Na veia, uma pequena quantidade de tranqüilizante. Vallium, diazepam ou um barbitúrico qualquer da classe dos benzodiazepínicos. Ben-zo-di-a-ze-pí-ni-cos. Você já se deu conta de que químicos têm mania por nomes esquisitos? Penso que seja para nos manter (nós, os reles mortais!) na mais completa ignorância… Tudo isso – os anestésicos, não os nomes estranhos – para minimizar o incômodo da passagem do endoscópio, bem como os reflexos autonômicos.


Em outras palavras, tentar conter a desesperadora sensação de sufocamento, como também a terrível vontade de vomitar! Odeio vomitar e odeio mais ainda a mania cearense de falar provocar como sinônimo de jorrar o vômito. “Vou provocar.” Que coisa mais polida! Coisa de fresco. Quem vomita não fala, no máximo geme enquanto abre espaço pro jato gástrico.


Ainda na manhã endoscópica que me inspirou esse devaneio, esperava meu irmão recobrar plenamente os sentidos. Enquanto ele permanecia deitado em uma confortável poltrona, saí da clínica. Fumar um cigarro longe do ar condicionado e dos olhares inquisidores dos anti-tabagistas que costumam se multiplicar ao menor sinal de fumaça e fazem dos consultórios médicos um dos seus lugares prediletos para propagar o discurso depreciativo ao ato de fumar.


Calma! Apesar do meu comentário, não vou defender meu vício e começar uma batalha que não dá trégua a um trago sequer. Deus me proteja desse desatino! Ainda mais se você for um desses anti-tabagistas! Corro o risco de ouvir um lamento do tipo “ela fumou de barriga vazia.”. E isso desencadear em mim uma insolente constatação: “sim, fumei.” Afinal, não há coisa mais inconveniente do que discorrer sobre os males do cigarro ao lado de alguém fumando. Pior do que isso só quando nós, acossados fumantes, temos que parecer simpáticos à honrosa, porém chata, ladainha anti-fumante. Vício é vício. Os discursos mais irritam do que ajudam, pode acreditar.


Mas, lá estava eu em uma das calçadas da 13 de Maio, movimentada avenida de Fortaleza, fumando prazerosamente o primeiro cigarro do dia. Quem fuma bem sabe do prazer entontecedor que traz o primeiro cigarro… Sol a pino. Busquei um resquício de sombra sob a fachada da clínica. E, entre um trago e outro, observava a esquina ao lado.


Embaixo de uma frondosa mangueira, um casal. Ela com um pouco menos de 1,60m, magra, morena e velha. Tinha um pano na cabeça que de longe parecia um pedaço daquelas bandeiras de candidato que tremulam em época de eleição e que, passado o sufrágio, ganham outras serventias. No corpo, uma saia de um vermelho desbotado e uma camisa com propaganda de algum estabelecimento comercial. Ele, um senhor alto e magro, com uma barbicha e chapéu de palha. Parecia um pouco mais novo. Uma calça cinza surrada cobria suas longas pernas. Não me lembro de sua camisa, mas ele tinha uma… Eles pediam esmola. Por um instante, ia escrever “eles pediam um trocado”, mas lembrei que esse é outro eufemismo lingüístico que não tolero… Eles esmolavam. Essa era a verdade.


A mulher, aproveitando o sinal, estendia a mão em concha aos carros parados de vidros fechados e indiferentes ao pedido. Pensei nos milhões de pedintes que existem Brasil a fora. Pensei na fome da qual meu irmão e eu nos ressentíamos algumas horas antes. Pensei na fome que aquele casal deveria sentir. Quem sentiria mais fome? Eles, acostumados com o estômago vazio, ou nós, inexperientes na privação estomacal?


A cena me comoveu e eu quis descrevê-la, registrá-la para além da minha memória… Fumava meu cigarro e ora pensava em frases para uma crônica ora pensava em uma moeda para aquele casal. Lá, fiquei olhando e fumando. Não dei moeda alguma e meu cigarro acabou. Lembrei-me de meu irmão que já vinha ainda sob o efeito do torpor diazepânico.


Fomos para casa, meu irmão e eu. Almoçamos em família. Do casal, ficou esta crônica e um gosto amargo encravado em minha garganta.

Klycia Fontenele, jornalista e escritora. klyciafontenele@gmail.com