quinta-feira, 3 de julho de 2008

Adolescente fica presa em cela com 20 homens

Caso foi denunciado pelo Conselho Tutelar de Abaetetuba, no Pará

19/11/2007 - 22:31 - O Conselho Tutelar de Abaetetuba (PA) denunciou nesta segunda-feira (19) ao Ministério Público e ao Juizado da Infância e da Adolescência o caso de uma garota de 15 anos que ficou presa na delegacia do município com cerca de 20 homens durante um mês.

A adolescente disse ao Conselho Tutelar que teria sido obrigada a deixar a cidade. Segundo a conselheira tutelar Maria Imaculada dos Santos, a estudante contou que foi retirada da cela por um policial e abandonada no cais da cidade. Também teria recebido ameaça para deixar a cidade.

Segundo o Conselho Tutelar, no dia que seria entregue à família, a polícia informou que ela havia fugido da delegacia. A estudante ficou desaparecida por três dias e só foi localizada sábado (17), no cais da cidade.

Na manhã desta segunda-feira, a adolescente foi submetida a exame para verificar se foi vítima de violência sexual. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediu a punição dos policiais envolvidos no caso.

De acordo com a Polícia Civil, em Abaetetuba não há carceragem feminina e o procedimento de colocar homens e mulheres na mesma cela seria “normal”. Mesmo tendo passado um mês, a polícia justificou a prisão da adolescente - acusada de furto - por ela não estar com a carteira de identidade para comprovar a idade.

A assessoria de comunicação da Polícia Civil informou que a idade da menor está sendo investigada e que um inquérito policial também será aberto para apurar se a adolescente foi vítima de violência sexual durante o perído em que ficou presa.

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA, Mary Cohen, disse que ficou chocada com a denúncia. “Mesmo sendo maior, ela não poderia estar em uma cela masculina, sob hipótese nenhuma”, afirmou Mary.

A Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará, responsável pelos presos no estado, ainda não se pronunciou sobre o assunto.

Fonte: EPTV.COM

A MENINA NA CELA


Já são algumas madrugadas de um ano menino. 2008 começou e trouxe com ele azias de quem exagerou na bebida e na comida e ansiedades de quem quer perder gramas e quilos indesejáveis a uma silhueta esbelta. Mas, trouxe também esperança de que dias melhores virão. Uma esperança tão recorrente em nós que vira e mexe está estampada em cartões de boas festas, mas que antes mesmo de o carnaval chegar se dilui. Esperança já tão satirizada pela famigerada música popular brasileira e pelas telas de cinema de um Brasil em final dos anos 80. Rita, Cacá e Marília quem nos digam! Esperança que me intriga quando, nas cores cruzadas dos fogos de artifício, fortalece a convicção de que dias melhores virão, mas que no estopim de balas perdidas desvanece e carrega consigo o que há de melhor nos dias.


A fé em dias melhores vem com o nascer de um ano novo... Rege a lenda que uma estrela no céu apontou o caminho da luz divina, simbolizada pelo nascimento de uma criança redentora. Desde então, para nós, ocidentais, nascer é sinônimo de esperança. Daí, tudo nasce quando se quer acreditar que é possível ser feliz, nasce inclusive a esperança... Há 15 anos nasceu uma menina. Qual é o nome dela? Não sei. O que ela fez de tão extraordinário? Nada. E por que é dela que me lembro nesse ano que começa se milhares de meninas completaram também as 15 primaveras em 2007? Lembro-me dessa menina-moça por ela ter cometido o erro mais fatal de seus ternos anos. Ela roubou. E do roubo, a cadeia e na cadeia, vinte homens a lhe subtrair, todo dia, o melhor de suas futuras primaveras. Vinte homens a despetalá-la.


O que terá se passado no imo dessa moça-menina? Talvez, tenha rezado ou por se achar no inferno, pensou-se morta e sem tempo para preces... A TV fala em vinte e seis dias, um mês. Não há consenso no número de dias, mas se sabe que foram muitos para demasiado tormento. Entre as horas de cárcere, existiria descanso? No que pensava? O que sentia? Teria medo, raiva, complacência, desgosto? Não sei. Minha imaginação não suporta ir além das linhas dos jornais. Buscar entrelinhas é arriscar-me a adentrar numa dor que mesmo de outrem me dá medo. Medo de ir mais longe a ponto de tocar em estilhaços de um corpo doído, de uma alma ferida e me ferir. Esbagaçar algo em mim e não haver retorno. Fora um furto que a levara até ali?! Não lembro ninguém a comentar seu delito. Quem sabe seu verdadeiro crime é ser pobre e fêmea? Agora, pouco importa minha filosofia barata. Diante da lei, fora um furto que a jogara naquele covil. Um furto banal e roubam dela a inocência. Violam sua alma.


Imaginar o que se passou com essa menina – como é mesmo seu nome? Importa um nome? – causa-me náusea maior do que a que sinto quando depois de minhas entregas desmedidas à boemia. E, nos instantes de noticiários a narrar tamanha perversidade, perdi a fome e a crença na humanidade. “Dias melhores não virão!” Pensa meu desolado coração. Estamos todos embrutecidos por demais... na violência explícita, na indiferença protetora. Uma carapaça recobre cada um de nós. Eu, debaixo do meu disfarce indignado por me deparar com farrapos de gente a esgarçar o limite entre ser humano e ser fera, confesso que enquanto TVs, rádios e jornais noticiavam: Menina de 15 anos que ficou um mês presa na mesma cela com 20 homens na delegacia do município de Abaetetuba, no interior do Pará, teria sido estuprada por eles. Acusada de furto, a polícia justificou a apreensão da jovem por um mês dizendo que ela não teria documento de identidade.”, um alívio egoísta apoderou-se de mim. E silenciosamente, eu agradeci a Deus por não ser essa menina, por não conhecer essa menina e por não amar nenhum dos seus carrascos. Nem os de dentro nem os de fora da cela.


Mesmo com minha indignação e minha repulsa, fui humanamente egoísta e me recolhi como um caramujo.


terça-feira, 17 de junho de 2008

Campanha pede fim de esmola a morador de rua no Leblon

ILHA DA FANTASIA


Associação de bairro nobre do Rio quer evitar doação de dinheiro e comida para mendigos que vivem no local

A Associação de Moradores do Leblon (Ama-Leblon), bairro nobre da zona sul do Rio, está organizando uma campanha para pedir às pessoas que circulam na região que não dêem dinheiro, alimentos ou objetos para mendigos e menores que vivem nas ruas.

Na semana que vem, serão espalhados 50 mil cartazes pelo bairro com a frase: "Não dê esmola". Segundo João Fontes, presidente da Ama-Leblon, a campanha tem o intuito de fazer com que as pessoas que vivem na rua (cerca de 400) saiam do Leblon.

"Em vez de dar esmola, as pessoas deveriam encaminhar os carentes para autoridades públicas darem um rumo na vida deles."

Com 46.670 habitantes, o Leblon tem o segundo maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) do Rio (0,967). Fontes disse que a idéia é estender a campanha a bairros vizinhos, à zona norte e ao centro.

O lançamento oficial da campanha ocorre amanhã com uma passeata na praia do Leblon. Para o presidente da Ama-Leblon, o aumento da população de rua tem atrapalhado o turismo local.
A campanha Não Dê Esmola provocou reações diferentes.

O prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL), afirmou que já houve outras iniciativas como essa, que não deram certo. Maia disse à Folha que espera que a campanha venha "acoplada a outra atitude ativa".

O secretário municipal de Assistência Social, Marcelo Garcia, apóia a iniciativa. "Não existe população de rua. Ela tem casa e vai para rua conseguir renda. Se pararem de dar esmola, a pessoa que está na rua não vai ficar mais."

Para o coordenador da ONG Ação da Cidadania, Maurício Andrade, "negar a solidariedade como forma de diminuir a população de rua não adianta." Ele disse, porém, que a campanha representa uma reação da sociedade civil contra a incompetência das autoridades públicas.

Operações
Nos últimos dois anos, a polícia do Rio tem feito operações esporádicas para retirar mendigos e menores das ruas da zona sul.

Em novembro de 2004, após sucessivos episódios de violência no Leblon -assaltos a motoristas e arrastões contra turistas na praia-, a Polícia Civil realizou a operação Turismo Seguro, que tirou 318 crianças e 25 adultos da zona sul e do centro. Eles foram levados para abrigos da prefeitura, mas, segundo João Fontes, a maioria voltou para a rua.

Pouco depois, Siro Darlan -ex-juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude-, determinou, em liminar, a interrupção da abordagem a menores sem mandado de busca e apreensão ou flagrante.

(Centro de Mídia Independente - www.midiaindependente.org)

ENDOSCOPIA PARA QUEM TEM FOME?

Olhar dentro. Essa é a definição primeira para a palavra endoscopia. Na prática, enfia-se um tubo com uma mini-câmera na ponta e ele vasculha a parte alta do nosso aparelho digestivo – da boca ao duodeno – e, assim, recebe o nome de endoscopia digestiva alta.

Quando as entranhas vasculhadas são os intestinos a endoscopia ganha o temível nome de colonoscopia… Um exame humilhante ou no mínimo constrangedor, mas necessário quando o fantasma do câncer nos ronda. Tenho pra mim que a colonoscopia caiu no desagrado popular porque literalmente toca em uma das partes consideradas menos nobre do corpo humano.

Aquela parte que dificilmente gostamos de lembrar que temos a não ser em momentos de tesão para os adeptos da prática anal ou após o alívio do fim de dias de constipação quando a ela somos secretamente gratos pelo esforço feito. Mas, deixemos o cu de lado e voltemos à endoscopia.

Um dia desses pela manhã, acompanhei meu irmão numa sessão de endoscopia… Em jejum. É assim que deve permanecer o infeliz que fará esse invasivo exame: no mínimo 8 horas sem comer. E assim fomos nós, meu irmão e eu. Ele sem comer desde o dia anterior e eu também. Fiquei sem comer não por solidaridad hermana, mas por ter amanhecido um tanto enjoada e sem ânimo para o repasto matinal.


O que me fez lembrar que preciso melhorar meus hábitos alimentares. Sou viciada em fast-food e depois da proliferação dos serviços de entrega em domicílio meu vício só se fortalece. E como, à noite, a ansiedade – minha fiel companheira – torna-se um monstro tão perverso como o Freddy Krueger, é depois do pôr-do-sol que meu apetite se torna voraz. Então, à medida que meu estômago, na calada da noite, ganha ares de um buraco negro, meu bolso vai se esvaziando como uma bola de encher cuja boca fora mal amarrada.


Antes da endoscopia, uma anestesia tópica: um spray de anestésico local. Língua e faringe com lidocaína ficam dormentes. Estranha a sensação de uma boca adormecida. Ausência de paixão também causa torpor na boca… Melhor um ser lidocaínado do que um desapaixonado. O primeiro pelo menos tem a certeza de que é breve o seu entorpecimento. Já para o segundo, tudo é imprecisamente apático. Afinal, não há precisão nas paixões.


Apesar dos típicos sinais – mão suada, tremor, taquicardia, boca seca, gagueira – nunca sabemos ao certo quando a paixão vai chegar. Quando percebemos já estamos dominados e esses sintomas – que bem poderiam ser de uma boa crise de pânico – ao senti-los é porque o coração já se rendeu apaixonado. Aí não tem remédio, o jeito é viver e esperar pelo gosto rançoso na boca e na alma que aparece toda vez que a paixão vai embora e somos os últimos a saber e a aceitar o fim.


Na veia, uma pequena quantidade de tranqüilizante. Vallium, diazepam ou um barbitúrico qualquer da classe dos benzodiazepínicos. Ben-zo-di-a-ze-pí-ni-cos. Você já se deu conta de que químicos têm mania por nomes esquisitos? Penso que seja para nos manter (nós, os reles mortais!) na mais completa ignorância… Tudo isso – os anestésicos, não os nomes estranhos – para minimizar o incômodo da passagem do endoscópio, bem como os reflexos autonômicos.


Em outras palavras, tentar conter a desesperadora sensação de sufocamento, como também a terrível vontade de vomitar! Odeio vomitar e odeio mais ainda a mania cearense de falar provocar como sinônimo de jorrar o vômito. “Vou provocar.” Que coisa mais polida! Coisa de fresco. Quem vomita não fala, no máximo geme enquanto abre espaço pro jato gástrico.


Ainda na manhã endoscópica que me inspirou esse devaneio, esperava meu irmão recobrar plenamente os sentidos. Enquanto ele permanecia deitado em uma confortável poltrona, saí da clínica. Fumar um cigarro longe do ar condicionado e dos olhares inquisidores dos anti-tabagistas que costumam se multiplicar ao menor sinal de fumaça e fazem dos consultórios médicos um dos seus lugares prediletos para propagar o discurso depreciativo ao ato de fumar.


Calma! Apesar do meu comentário, não vou defender meu vício e começar uma batalha que não dá trégua a um trago sequer. Deus me proteja desse desatino! Ainda mais se você for um desses anti-tabagistas! Corro o risco de ouvir um lamento do tipo “ela fumou de barriga vazia.”. E isso desencadear em mim uma insolente constatação: “sim, fumei.” Afinal, não há coisa mais inconveniente do que discorrer sobre os males do cigarro ao lado de alguém fumando. Pior do que isso só quando nós, acossados fumantes, temos que parecer simpáticos à honrosa, porém chata, ladainha anti-fumante. Vício é vício. Os discursos mais irritam do que ajudam, pode acreditar.


Mas, lá estava eu em uma das calçadas da 13 de Maio, movimentada avenida de Fortaleza, fumando prazerosamente o primeiro cigarro do dia. Quem fuma bem sabe do prazer entontecedor que traz o primeiro cigarro… Sol a pino. Busquei um resquício de sombra sob a fachada da clínica. E, entre um trago e outro, observava a esquina ao lado.


Embaixo de uma frondosa mangueira, um casal. Ela com um pouco menos de 1,60m, magra, morena e velha. Tinha um pano na cabeça que de longe parecia um pedaço daquelas bandeiras de candidato que tremulam em época de eleição e que, passado o sufrágio, ganham outras serventias. No corpo, uma saia de um vermelho desbotado e uma camisa com propaganda de algum estabelecimento comercial. Ele, um senhor alto e magro, com uma barbicha e chapéu de palha. Parecia um pouco mais novo. Uma calça cinza surrada cobria suas longas pernas. Não me lembro de sua camisa, mas ele tinha uma… Eles pediam esmola. Por um instante, ia escrever “eles pediam um trocado”, mas lembrei que esse é outro eufemismo lingüístico que não tolero… Eles esmolavam. Essa era a verdade.


A mulher, aproveitando o sinal, estendia a mão em concha aos carros parados de vidros fechados e indiferentes ao pedido. Pensei nos milhões de pedintes que existem Brasil a fora. Pensei na fome da qual meu irmão e eu nos ressentíamos algumas horas antes. Pensei na fome que aquele casal deveria sentir. Quem sentiria mais fome? Eles, acostumados com o estômago vazio, ou nós, inexperientes na privação estomacal?


A cena me comoveu e eu quis descrevê-la, registrá-la para além da minha memória… Fumava meu cigarro e ora pensava em frases para uma crônica ora pensava em uma moeda para aquele casal. Lá, fiquei olhando e fumando. Não dei moeda alguma e meu cigarro acabou. Lembrei-me de meu irmão que já vinha ainda sob o efeito do torpor diazepânico.


Fomos para casa, meu irmão e eu. Almoçamos em família. Do casal, ficou esta crônica e um gosto amargo encravado em minha garganta.

Klycia Fontenele, jornalista e escritora. klyciafontenele@gmail.com

domingo, 20 de abril de 2008

Tragédia ao vivo

Como se não bastasse o que chamamos há meses de “Caos Aéreo” - desde o acidente com o avião da Gol - hoje o Brasil assiste pela TV, ao vivo, um acidente de grandes proporções no aeroporto de Congonhas em São Paulo.

O AirBus da TAM, vôo 3054, deslizou na pista molhada ao aterrisar e o piloto não conseguiu controlar o avião que acabou alcançando a Avenida Washington Luís e atingindo o prédio da TAM Express onde pegou fogo.

Foto do acidente da TAM em Congonhas
Fotos do G1.

Nesse momento em que escrevo, não foi divulgado o número de passageiros feridos ou mortos. O número de pessoas à bordo é de 175 pessoas, entre tripulantes e passageiros. A TAM emitiu um comunicado oficial informando que qualquer notícia sobre passageiros será informada prioritariamente às famílias das vítimas antes de ser divulgada à imprensa, conforme a legislação brasileira.

(uma das primeiras matérias publicadas na internet no dia 17/07/2007 - www.seriguela.com)



MEDO DE AVIÃO



Nunca tive medo de viajar de avião. Os aviões me causam mais estranheza parados no solo do que na altitude. Tirando o momento da aterrissagem quando na maior parte das vezes meus ouvidos parecem estourar, todo o restante do vôo me é prazeroso. Até me divirto desfrutando dos serviços de bordo, cuja qualidade é, cada vez mais, inversamente proporcional ao custo de uma passagem aérea fora das promoções-relâmpagos de bilhetes a 50 ou 10 reais. Lembrei-me, agora, da prática ambulante daqueles que vendem nas ruas e atraem consumidores com gritantes promessas de produtos mais baratos. Mas, façamos justiça: as companhias aéreas – mesmo atoladas em dívidas e à beira da falência – mantêm seu requinte e optam por trocar a poluição sonora pela visual, enchendo-nos de GIFs animados.


Ao voar, fico sempre com uma sensação de familiaridade, mesmo viajando por entre nuvens. Você já reparou que quando se está voando – não sei a tripulação que deve lembrar que tudo ali é técnicas e máquinas e que não há nada de natural na tecnologia – a maioria das pessoas age como se voar a 900 km/h, percorrendo longas distâncias em frações de minutos e estando a mais de 10 mil metros de altura, fosse a coisa mais normal para um ser humano fazer. Bem dizer, nascemos para voar! Tanto quanto os pássaros com suas asas e penas, temos coletivas asas metálicas e um belo tanque de combustível. Ocorreu-me agora que essa naturalidade é necessária, do contrário cada avião seria uma bomba prestes a explodir zilhões de impulsos histéricos, causados pelo pânico de se estatelar ou de virar poeira no ar.


Não cheguei a liberar a Dona Histérica que existe em mim, mas em minha última viagem tive como companheiro o tal do medo de voar. Ia de Fortaleza para São Paulo, com meus pais – marinheiros, opa! Passageiros de primeira viagem – e meu irmão. Foi em agosto último, há um pouco mais de um mês do pior acidente aéreo da América Latina, ocorrido dia 17 de julho. Infelizmente, esse recorde é brasileiro, então um pouco dele também é meu, já que há 32 anos nasci nas terras canarinhas de Alencar... Pelo menos, tenho o consolo de não fazer parte do seleto grupo lúgubre que desde então carrega consigo marcas bem mais dolorosas: a da saudade e da tristeza que tomam conta da gente quando perdemos alguém de forma irreversível. É, porque mesmo eu que acredito em reencarnação, acho que quando morremos algo se perde pra sempre, pois a vida continua, mas continua de uma maneira diferente. Afinal, quando a morte chega deixa em nós um estranho vazio.


Mas, lá estava eu, na poltrona 19B, numa situação bem parecida com a de um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco que há décadas atrás cantava: “foi por medo de avião que eu segurei pela primeira vez a sua mão...”. A mão era da minha mãe. Naquela decolagem, pela primeira vez, tive a sensação de sinceramente segurar a mão de minha mãe. Ela estava receosa. Com aquele receio que todos sentem em sua primeira vez, seja na cama ou no céu. Tive a sensação de sinceridade por perceber o quão era sentido aquele aperto de mão. Ela que tantas vezes silenciosamente me protegera, agora pedia – também em silêncio – proteção a mim: sua filha mais velha e já experiente com as linhas aéreas... Naquela fração de segundos, eu não saberia dizer qual dos medos que me acometiam era o maior: se o de sofrer um acidente aéreo ou o medo de decepcioná-la. Nem agora consigo definir, pois nas armadilhas de minha memória não consigo reviver plenamente esse momento. Não consigo e nem quero. Já me bastam essas linhas.


Lembro, porém, que naquele momento fiz uma escolha: não decepcioná-la. Então, rapidamente me vesti da naturalidade costumeira daqueles habituados a voar e passei toda a segurança necessária. Deu certo. À medida que o avião ganhava altitude sentia que minha mãe era invadida pela certeza de que nós seres humanos nascemos para voar. Em alguns minutos, ela soltou minha mão e sorriu aliviada, aproveitando a viagem e o serviço de bordo. Mas, um medo ainda me intrigava; o medo de viajar de avião. Depois de tantas decolagens e aterrissagens estávamos eu e um iminente ataque de pânico, sentados na mesma poltrona, com cintos afivelados à espera do barulho de turbinas e dos solavancos característicos no alçar do vôo.


Tinha duvidado do poder da criatividade humana e de suas invenções. Por alguns instantes, perdi a certeza de que é natural ganharmos os céus... Essa inquietação me fez ir atrás dos motivos para a minha falta de fé. Em um lampejo, recordei as tantas e tantas reportagens sobre o pior acidente aéreo da América Latina que sistematicamente havia visto. Lembrei-me de como foi terrível todo aquele espetáculo midiático, toda aquela exposição. Mais uma vez, constatei como a mídia – com a desculpa de mostrar a verdade – especula e maltrata quando quer e como nós nos deixamos torturar... E percebi que o estranho vazio que a morte deixara em 17 de julho tinha respingado também em mim.


(texto publicado na coluna Crônicas Corriqueiras, revista eletrônica Sinceridade - www.sinceridade.com)