domingo, 28 de outubro de 2007

BELA LUNA



Por duas vezes nessa semana esbarrei com a lua. Um daqueles encontrões estranhos que para acontecer é preciso levantar a cabeça enquanto se anda e esticar levemente o pescoço e as pupilas para cima. Fazer isso requer certa prática, senão o tropeço é fatal. Ao se encarar a lua corre-se o risco de os pés lamberem pedras ou outros objetos inadvertidamente parados no chão. Aí, lá se vai um xaboque do dedo. Um olhar instantâneo pra baixo; para onde a dor se instalou... E o encanto com a lua é quebrado. Nunca mais você o terá. Mesmo que no momento seguinte, entre um olhar pro chão e outro pro céu, você busque ansiosamente o mesmo encontrão.

Suspeito que algumas coisas na vida são únicas. Não gosto da idéia que me parece absoluta por demais de que tudo é único, nada é igual. Tem muita mesmice no cotidiano para eu ser sinceramente convencida de que cada átomo é único... Se bem que se penso em átomo, quimicamente hesito nessa idéia de homogeneidade. Se penso no tédio, tudo volta. Inclusive a certeza de que somente algumas coisas são únicas. Sentir-se entediado é realmente um saco, é tão chato, tão chato que nem vontade de ter raiva se tem. Mas, quando penso no tédio em si – abstraindo-me dessa sensação que insistentemente me invade, vendo-a apenas de forma abstrata e conceitual – chego a ter certa raiva de todo esse fastio.


Contudo, quando o enfado se instala, volto ao estado de letargia, com a fatigada esperança de que o tédio em breve enjoe de mim e vá aborrecer outrem. Mas, pelo menos, dessa vez o tédio me salvou. Salvou-me de discorrer inúmeras linhas sobre apatia e salvou você de ter que educadamente lê-las. Afinal, nada mais entediante do que descrever o tédio. Depois de liberta desse e por esse companheiro tedioso e deixando finalmente as lamúrias de lado – existe coisa mais aborrecida do que lamentações? Chegam até ser ridículas! – volto para a lua e eu.


Nosso primeiro encontro foi no começo da semana. Não consigo precisar o dia. Tenho problemas com datas. Elas se embaralham na minha cabeça sempre que preciso delas. Cismo até que é mais uma ironia das zilhões de arapucas onde, vira e mexe, em todas as vezes que necessito unir convenções sociais a sentimentos, cai inconscientemente meu coração... Esse primeiro encontro foi rápido. Ligeiro. Por entre alguns prédios e fios de alta tensão. Uma olhadela tão célere que nem o mais minucioso relógio suíço ou paraguaio conseguiria medir seu tempo. Nem o tempo que durou o encontro, nem o tempo do lamento pela perda do encanto. Não tropecei em pedras, nem perdi pedaços de carne dos meus membros inferiores. Mesmo assim, eu me descuidei e perdemos o encanto, a lua e eu. Isso às vezes acontece. Não se sabe exatamente como e nem quando, mas o encanto é rompido e na fresta que ele abre o tédio habita.


Nesse dia, aliás, nessa noite, a lua estava redondamente tímida, preparando-se para o seu apogeu mensal. Lembro que fiquei pensando: prefiro a lua assim àquela arrogância que enche o céu em noite de lua cheia. Iria até escrever sobre isso e defender veementemente o fim da ditadura da beleza nas noites de luar. Ressaltar a lua minguante como a mais linda de todas as fases lunares e revelar meu fascínio pelas estrelas que povoam de luz própria o universo. Por sinal, não seria um texto de todo falso. Sempre tive predileção pelas estrelas e uma simpatia gratuita pela fase minguante. Mas, adiei a escrita e no fim da semana esbarrei de novo com a lua...


E lá estava ela, com sua altivez arredondada e seus tons de amarelo. Totalmente farta. Soberba! Um novo encontro, um novo encanto. Esqueci por um instante o mundo. Hipnotizada, acompanhei seu vaguear por entre instalações de metais cujo vermelho brotou do concreto – fruto de um projeto de urbanização pública, de quando eu não me lembro – e hoje arranha meus olhos quando miro o céu. Infelizmente, no instante seguinte lembrei ser necessário respirar e pisquei os olhos. Novo descuido e encanto quebrado.


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